segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Deixa-me ser-te.

Enquanto sua cabeça repousava no chão e os olhos perdiam-se na imensidão vasta daquelas luzes, lembrou-se da história. A história de uma nega, bem nega, tomada de escuridão por todos os lados, exceto dentro dela. Repetia sempre enquanto descoloria os cabelos pretos como carvão que era negra sim, nas só por fora, por dentro era uma branca donzela e loira, que casaria com um lord e arredaria desse país, iria para a Suiça, porque ouvira que lá todos eram bem brancos e loiros e ricos e educados. Então a nega secou os cabelos (loiríssimos, diga-se de passagem!) e resolveu aparecer pelo samba de gafiera (não, não é cultura afro não, é cultura brasileira, é bonito!) porque era uma mulata que sambava bonito. E foi lá que seus olhos encontraram um lord. Bem branco e loiro e rico e educado, soara pela cabeça, agora loira, da nega. E o bendito do branquelo sambava bonito, requebrava nas calças brancas e o corpo movia-se como uma serpente sob a blusa listrada branca e azul branca e azul branca e azul como os olhos, cobertos pela aba do chapéu panamá, todo malandro. E os olhos arregalavam-se porque o branco sambava melhor que muito negro por ali. E ele sabia disso e ele queria isso e ele era negro por dentro sim senhor, de branco só tinha a pele porque deus é injusto. Repetia isso sempre enquanto preparava a feijoada (prato típico dos escravos, orgulho da cultura afro!) e queria casar com uma mulata que sambasse bonito e tivesse os cabelos ruins, bem pixaim, dizia ele. E foi lá , samba suor e cerveja que encontrou pernas queimadas desnudas e um colo queimado desnudo e um sorriso branco e largo e suado e cabelos loiros. E riu-se por dentro. E desejou aquela nega loira. E tocou-a e trouxe-a para junto do peito branco e ela se entregou porque desejava aquele branco nego. E no beijo eterno de ambos transferiram as almas, ela a nega de nascença e ele a branca de origem e era contrários e amantes. Amantes contrários que não queriam o que o outro sempre quis. Não queriam o que eram e sim o não-querer do companheiro. E deram certo assim porque a admiração era infinita. Porque sempre se quer o que não se pode ter.

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